Covid-19: Empregado que se recusa a se vacinar pode ser penalizado?

Vivemos dias até pouco tempo inimagináveis, a não ser para os aficionados pelas histórias de ficção científica: uma pandemia que coloca em risco a saúde e a economia mundiais. Da negação da gravidade da epidemia à busca desenfreada por uma vacina que pudesse imunizar a população e blindar a economia, pouco mais de um ano se passou.
Vencida essa fase, hoje o que se busca é a imunização em massa para se garantir o controle da disseminação da doença e, via reflexa, impulsionar a retomada do crescimento das economias. Por isso a imunização dos empregados e condição fundamental para que qualquer empresa mantenha-se ativa e com perspectiva de crescimento. Diante desse cenário seria aceitável a recusa do empregado em se imunizar, negando-se em se vacinar, colocando-se em risco de contaminação de seus colegas de trabalho e dos clientes?
Partindo-se do pressuposto constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art.5º, II da CF/88), enquanto não existir lei que obrigue o trabalhador a se vacinar o seu direito em não ser vacinar deverá ser garantido.
Da análise do artigo 482 da CLT, que prevê as hipóteses de despedida por justa causa, não vislumbramos a possibilidade de se enquadrar a recusa da vacinação em qualquer uma das hipóteses lá previstas, não se tratando de ato de insubordinação (alínea “h”), nem tampouco de “incontinência de conduta” ou “mal procedimento” (alínea “b”), que está mais ligada às questões de conduta de ordem “sexual/moral” do empregado no ambiente de trabalho.
Em dezembro de 2020 o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados e municípios podem legislar exigindo a imunização compulsória, podendo prever sanções, que poderão ser econômicas ou mesmo de natureza penal. Por outro lado sabemos que sanções na esfera trabalhista, para os empregados celetistas, não podem ser previstas em lei estadual ou municipal, eis que o direito do trabalho é matéria que compete privativamente à União legislar (art. 22, I da CF/88). Assim, quando muito a possibilidade de rescisão por justa causa somente seria cabível aos empregados estatutários estaduais e municipais, mas não aos celetistas.
Observe-se que a alínea “m” do artigo 482 da CLT possibilita a aplicação da justa causa no caso da “perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão” decorrente de conduta dolosa do empregado (dispositivo acrescido pela lei 13.467/2017 – Lei da Reforma Trabalhista). Nessa esteira a lei federal poderá criar dispositivo específico que “regulamente” a supracitada alínea “m”, possibilitando, sem ônus ao empregador, ou por justa causa, a extinção do contrato de trabalho quando o empregado perder “condição essencial” para o exercício de sua atividade laborativa, não estar imunizado contra a Covid-19, ou seja, seria a condição do empregado “não ser um agente transmissor da doença – ainda que em potencial”.
Outra possibilidade seria, ainda, acrescer-se ao parágrafo único do mesmo artigo, que prevê a possibilidade de justa causa em caso do empregado “atentar contra a segurança nacional” (dispositivo incerto pelo Decreto-Lei nº 3, de 27.1.1966) a disposição que prevê a justa causa em caso de “ato voluntário que atente contra a saúde pública”, in casu a negativa injustificada em se submeter à vacinação obrigatória”.
Ressalve-se que a única justificativa do trabalhador para se evitar a justa causa seria a comprovação de ser alérgico à algum componente da vacina, não justificando a sua negativa o mero “receio” da ineficácia da vacina ou de efeitos colaterais e menos ainda a negativa por motivos “ideológicos” ou de “convicção pessoal”.
Poderia ser o empregado, então, submetido a punição menos drástica, como a advertência ou a suspensão? Entendo que o empregado poderia ser advertido verbalmente ou por escrito, mas não suspenso, porque isso resultaria em automática redução salarial, nem tampouco a advertência reiterada justificaria a despedida por desídia (alínea “e”).
Observe-se, por oportuno, que ao empregador incumbe promover a conscientização e a correta orientação dos empregados na necessidade e segurança em se vacinar, a teor do prescrito na Lei 13.979/20 que regulamenta as medidas de combate à pandemia, mas este poderá também fomentar a vacinação de seus empregados mediante concessão de incentivos.
Assim, enquanto não sobrevier lei especifica tratando sobre a matéria o entendimento que predomina é de que o empregado não poderá ser penalizado pela opção de não se imunizar, no entanto o empregador poderá adotar medidas de distanciamento social, inclusive com a colocação do empregado em regime de atividade “home office”. A aplicação de penalidades como a suspensão e a despedida por justa causa se mostram, enquanto não advir norma específica, incabíveis.
Atualmente a doutrina sobre a matéria se inclina no sentido de que poderá o empregador, em caso de recusa do empregado, adverti-lo verbal ou por escrito, ou ainda dispensa-lo imotivadamente, sendo-lhe devidos todos os direitos rescisórios.
Ainda tem dúvidas sobre esse assunto? Nossa equipe está à disposição para orientá-lo(a).
Walter Fernandes é sócio da FCB Advogados Associados.